PEPITAS DE OURO DA ESTRADA DA VIDA: MÃE TERRA-2, POR TUDO O QUANTO EM TI VIVI, SOFRI E APRENDI, TENS MEU AMOR FILIAL


(Em edição)

PEPITAS DE OURO DA ESTRADA DA VIDA
Mãe Terra-2: Trindade

Lances, ocorrências, atos, fatos e momentos especiais de nossa vida, olhados do alto de nossa existência, do quase limiar do nosso portal de eternidade, emergem das águas inquietas de nossa existência efêmera como verdadeiras pepitas de ouro. E quem, entre nós, não tem uma história interessante para contar?  Devemos pois, ser gratos a Deus por nos conceder tão grande graça. 

Pepitas de ouro da estrada da vida. Mãe terra, és rica
porque majestoso é o teu Criador. Eu Vos amo
meu Deus, porque sois o meu refúgio,
todo o bem e toda a graça!
Uma casa na colina: Na Trindade, nossa morada primeira foi construída  sobre uma colina verdejante, a cerca de um quilòmetro do rio Mearim. Solitária, ela emergia sobranceira do meio de uma capoeira, reminiscência das exuberantes florestas primárias que cobriam a região, num passado não muito remoto; florestas que haviam sido abatidas pela força do braço escravo, principalmente, para plantação de cana-de-açúcar, pastagem e algodão. 

Aquela era uma região pouco habitada e a vegetação, ainda, relativamente rica em biodiversidade. Adensamentos de espécies de madeira-de-lei mesclavam-se com os de palmeira babaçu (Orbignya sp) moldando uma bela fisionomia. Da colina, a mata estendia-se pela planície circunvizinha, avançando sobre uma área inundada, o pequeno Lago da Trindade. O lago, ainda bastante piscoso, era cercado de formações vegetais espinhosas, ricas em marajás (gênero Bactris), além de constituir-se numa importante fonte produtora do mosquito da malária. 

O alto da colina foi antropizado, enfeitado por nossa casa. Ela era de taipa (paredes de pau-a-pique e varas amarradas com cipó ou fibra vegetal) e chão batido, coberta com palhas de babaçu. Foi construída, provavelmente, entre o final do inverno e início da primavera de 1938, visto que, nascido em Abril daquele ano, eu tinha apenas quatro meses de idade, quando ali chegamos. 

Nossa família era relativamente numerosa: meu Pai (Zé Bello), minha Mãe (Maria da Conceição), seus oito filhos e dois genros (Nezinho e Raimundo Quinco). 
Os filhos compreendiam, em idade decrescente: Maria (casada com Nezinho) e Raimunda (noiva ou recém-casada com Raimundo Quinco) e ainda,  Sinhô, Antonio, Cesário, Sinhara, Judite e Pedro, crianças ou adolescente (menos de 14 anos). O mais novo membro da família era a netinha Socorro, filha do casal Maria / Nezinho, nascida por volta de Outubro de 1938. 

Por lá, as atividades de roça têm início no mês de Outubro, com as derrubadas, queimadas e a limpeza do terreno (encoivaramento): operações tradicionais de preparo da terra para o plantio. 

Experimentado nas lidas da lavoura, meu pai possuía importantes projetos a desenvolver ali. Dentre eles destacavam-se: as plantações tradicionais de milho, arroz, mandioca e feijão e a formação de canaviais para a indústria de açúcar e aguardente, alem do cultivo de pastagem, principalmente, para manutenção do gado leiteiro, dos animais destinados ao trabalho do engenho e ao transporte, em geral, na propriedade. 

Plantar tabaco e produzir fumo-de-corda também fazia parte do programa anual de trabalho na Trindade. Quando residia na localidade São Manuel, meu pai já compreendeu a importância de produzir e comercializar fumo. Geralmente, vendia sua produção diretamente ao consumidor, para auferir melhores lucros. 

A Malária: O vale do Mearim, pertencente à pré-amazônia, está submetido a clima quente úmido florestal, portanto, muito propício ao desenvolvimento de doenças tropicais, como Malária, Febre Amarela, Doença de Chagas, Leishmaniose e Dengue. 

O ambiente escolhido para fixação da residência, rico em umidade e vegetação arbórea, não tardou a manifestar sua insalubridade. Com o passar do tempo, a febre foi minando as forças da família, a ponto de não haver alguém sadio para cuidar dos demais. Com febre, meu pai ia à cidade comprar medicamento para toda a família. O remédio era único, à base de quinina. Na farmácia mesmo, geralmente, a do Sr. Vicente Benigno, meu pai tomava sua dose de amargura para baixar a febre. 

Apesar de tudo, a vida continuou e, dentro de algum tempo, foi construído também um galpão e um engenho de pau, puxado a boi, para moer cana. Plantou-se canaviais e roças de milho, arroz, feijão, mandioca e etc., as lavouras normais de subsistência. 

Fogo na Residência: Creio que vivíamos no final de 1940 ou início de 1941, ocasião em que a produção já havia sido recolhida. Os paióis estavam repletos de arroz e milho e a luta continuava quando ocorreu o desastroso incêndio de nossa casa, marcando profundamente a vida de todos nós. Tudo ocorreu por conta de um inconveniente ninho de inseto, muito comum na região: Maribondo-tatu ou Marimbondo-chapéu. 

O ninho foi construído na cumeeira da casa; e a rica produção de mel passou a “adoçar” e incomodar a dormida do casal, especialmente, da minha mãe, no seu horário de merecido repouso diário. 

Ela já havia solicitado providências a meu pai a respeito daquele meloso vizinho. Porem, as múltiplas responsabilidades ainda não lhe haviam permitido solucionar o tal problema. Como minha mãe não era muito de esperar, ela mesma, resolveu tomar pendência. 

Foi numa bela manhã ensolarada de domingo, após uma daquelas noitadas chuvosas de matar sapo, muito comuns na região, que ela deliberou o audacioso e inflamado evento. Meu pai havia saído muito cedo, acompanhado de meu irmão Antonio, a fim de comprar os suprimentos semanais, na cidade. Na casa, estavam apenas duas pessoas adultas: ela própria e sua filha Maria. 

Meu irmão Sinhô, cerca de 12/13 anos de idade, único homem da casa, naquele momento, tornou-se, também, a figura chave, com quem minha mãe poderia contar para aquela perigosa operação incendiária. 

Considerando que havia chovido bastante durante a noite, ela confiava no pleno sucesso daquela intervenção cirúrgica "maribúndia" e resolveu queimar os ninhos (o nosso, e o dos maribondos), usando uma tocha de palha seca de milho, untada em querosene, presa num talo de palmeira. 

Creio ser aquilo uma experiência inédita para ela, senhora de orações, muito confiante na providencia divina. Confiava também na umidade da cobertura da casa, como facilitadora do controle das chamas, embora soubesse que, a chuva só havia molhado por fora. 

Talvez ela não tenha imaginado que a cera e o mel pudessem imediatamente incrementar a combustão da palha. Este foi o quadro que se desenhou aos nossos olhos apavorados. 

Sinhô, bastante solicitado, bem que tentou, por todos os meios possíveis, conter as chamas antes que se propagassem. Procurou apagar o fogo por cima e por baixo da cobertura. Tudo em vão... Estava consumada a grande tragédia e, diante das circunstâncias, não havia mais nada a fazer senão, encarar o problema com os braços e pernas existentes. 

Havia apenas duas pessoas adultas (Mãe e Maria) e Sinhô (12/13 anos). Os demais, crianças com menos de oito anos: Cesário, Sinhara, Judite, eu e Socorro, minha sobrinha. Raimunda, provavelmente, já havia se casado e nesta época não residia conosco. 

A casa não tardou a se extinguir sob a violência das chamas. Os paióis de milho e arroz ainda bem que tiveram queimadas apenas as camadas superficiais. Muita coisa foi retirada depois do meio dos escombros. 

Ao cair da tarde, voltando da cidade, meu pai ainda avistou ao longe a verde colina coroada de cinzento fumo. Não sei que pensamento lhe ocorreu. Porem, o mano Antônio, ao ver de perto o que restou, no carvão e na fumaça, exclamou entre lágrima de emoção: “Oh meu Deus!.., que desgraça!... queimou-se o meu facão!...” Ele era muito cuidadoso com sua ferramenta de trabalho. 

Disseram-me que durante a correria para salvar do incêndio o que fosse possível, eu e minha sobrinha Socorro, crianças com 2 a 3 anos, muito atrapalhamos, correndo para dentro e para fora, atrás das pessoas, naquela maratona maluca para salvar os bens. 

A Nova Residência: A vida tinha que continuar. Fomos residir na baixada, mais próximo ao lago, ocupando o casarão do engenho. Ali ficamos abrigados até que meu pai construiu outra casa, a cerca de quinhentos metros dali, onde fixamos residência definitiva, na Trindade. 

Foi esta outra residência que me viu crescer. Ela é a minha casa-mãe, que aprendi a amar e a conhecer em todos os seus detalhes, compartimentos, móveis e utensílios. Cada sala, cada quarto, cada espaço tem uma história que me vincula e emociona. Foi meu lar amigo durante cerca de 12 ano, até quando nos mudamos para Pedreiras, em 1952/1953.  
Foram somente 12 anos e me aparentam uma eternidade porque foram os meus primeiros... 
E como são longos os nossos primeiros anos de existência!... Longos,... e se tem todo o tempo o tempo todo, e a vida se resume em viver quase que só para apreciar e sonhar, cheio de esperança; para sonhar e respirar profundo a pureza de criança, o cheiro da natureza em toda sua pujança. 
Por isto, doze anos é quase uma eternidade... 
Aliás, nesta fase, tudo é grande, monumental. 
Lembro-me, por exemplo, de um banco de madeira de lei que  em nossa casa existia. Era grande, rústico, especial, uma prancha espessa - leguminosa, creio - uma peça negra reluzente apoiada em 4 pernas, também robustas, encaixadas firmemente. 

Lindo banco de minha infância oriundo!... 
Fiel amigo que, mudo,  marcou-me a vida, profundo. 
Porque, na hora do jantar bendito, nele pessoas vinham se sentar e, ali, por horas a fio, ficavam a esmiuçar seus mundos num linguajar macio, tranquilo e profundo. 
E eu aproveitava do banco uma ponta de nada para, ali, deitado, ouvir a conversa miudinha, picada, da gente simples da roça. 
Eu acabava abatido, dormindo, por aquela ladainha, amortecido, à ponta do banco, encolhido, à luz da lamparina. 

O interessante de tudo é que o banco miúdo, bondoso e inerme, enorme me parecia. 
Décadas após, numa das minhas idas à Trindade, para matar a saudade, de tudo que há tempo não via, deparei-me com o negro banco, o saudoso e velho amigo de infância. 
Ele estava ali perfeito, lindo, com o mesmo ar acolhedor, amigo.
Não resisti e lhe falei: "Que saudade, meu querido, quase não o reconheci!... Você está tão pequeno, parece que encolheu!... Ou fui eu quem cresceu?... Será que de algum modo você me reconheceu?  
Se pudesse, certamente,  ele responderia: "puxa, Pedrinho!... Que alegria!... Como você cresceu!... 
Estou feliz, você não me esqueceu!... Quem diria que, depois de tantos anos, em mundos diferentes, seria possível este encontro?


... x ...

Retornando aos dias do casarão do engenho:
Não me contaram por quanto tempo ficamos morando no casarão do engenho da beira do lago, convivendo diretamente com as atividades; sentindo o cheiro dos bois, do bagaço da cana, da cachaça, do açúcar e da rapadura; ouvindo os sons do engenho e participando de seu labor.  

Deste local, guardo a primeira e mais antiga lembrança da minha infância mais remota. Devia ter cerca de 3 a 4 anos de idade. Nesta ocasião, já residíamos em  uma casa nova, coberta de telha porém, o engenho ainda continuava no casarão de palha da beira do lago. 

Lembranças de minha infância mais remota: 

Houve um período em que o engenho ainda era situado à margem do lago e nossa residência já havia sido construída no local definitivo, a cerca de meio quilometro. Diariamente, por volta do meio dia, minha irmã Raimunda ia comigo levar o almoço do pessoal que trabalhava no engenho. 
Geralmente, ela me convocava como acompanhante porque certamente precisava de um ajudante e também, por não ser aconselhável uma moça andar desacompanhada, uma jovem de 16/18 anos, andar sozinha por aqueles caminhos de roça. 
A comida era acondicionada em uma grande bacia de alumínio, coberta com pratos de estanho e envolta em pano. 
Assim, o pequeno pelotão com o almoço deixa a casa residencial seguindo a trilha rumo ao lago e aproximando-se do portão de entrada do casarão do engenho. 
De ambos os lados da entrada do casarão, os bois Moreno e Azulão comiam cana picada, bendita e merecida ração diária da caminhada, recompensa e combustível  para a operosa jornada no engenho. 
Lembro-me que meu pai fazia algo na ocasião, ali perto do portão, arrumava alguns arreios, quando nos aproximamos. Raimunda andava à minha frente e passou sem mais problema. Na minha vez de entrar os bois me atacaram, ambos há um só tempo, fechando-me no centro da entrada, como costumam fazer com a cachorrada. Naquela justa ocasião, de um salto, meu pai arrebatou-me de entre os chifres do Moreno e do Azulão. 
O medo me foi tamanho, tão grande a emoção, que a cena ficou gravada, a ferro e fogo marcada.  Aquele trágico quadro, creio, deve ter sido o primeiro a ocupar a fresca memória da criança, em seu primeiro passeio.







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