PEPITAS DE OURO DA ESTRADA DA VIDA: PEDREIRAS: CAMINHOS ANCESTRAIS


Terreno da antiga sede do engenho dos Lunas. 11/2009




Estado atual do morro da Balança. 11/2009


Festa de São Benedito/Pedreiras, 11/2009.

A missa de domingo em Pedreiras


Aquela estrada barracenta serpenteando por vales, colinas e outeiros, ligava a cidade de Pedreiras à localidade denominada Barreiros, um punhado de casas de taipa cobertas de palha a cerca de uma hora de caminhada. Palmilhando aquele caminho difícil, os moradores dos Barreiros embrenhavam-se por entre os matagais e corredores de cerca das soltas de gado adensadas de assa-peixe, subindo e descendo encostas, para participarem da santa missa de domingo na igreja de São Benedito, no alto do morro, do mais importante centro urbano da região.A alegria brincando passeava nos rostos daqueles que aproveitando a estiagem partiam para a cidade no alvorecer do domingo, enlameando os pés no pisoteio das ervas poeirentas e orvalhadas. Expectativas auspiciosas animavam os corações daqueles que aos domingos e dias santos deixavam os afazeres do interior dirigindo-se ao centro comercial, local das novidades e das aglomerações humanas: Igreja, comércio, coisas e gentes diferentes... Quem sabe...? Uma companhia interessante...

Pavor do retorno em horas tardias A volta para casa era movida pelo entardecer da jornada e das esperanças dominicais e tinha no Morro da Balança o principal obstáculo do retorno vespertino. Histórias assombrosas eram associadas à solidão daquele trecho do caminho. Um túnel de altas barreiras coroadas de matagal onde no período de estiagem o transeunte mergulhava totalmente os pés num profundo manto de poeira alvacenta e fina. O entardecer naquele túnel já era escuro, sombrio. Atravessá-lo em horas tardias exigia coragem. E depois, a estrada seguia por um longo trecho aplainado encoberto por grandes mangueiras onde havia um cemitério meio perdido no matagal, outro embargo a superar.Tio Raimundo Cesário uma vez me contou do medo que o assaltou num anoitecer naquele trecho da estrada. Ele saiu vitorioso do Morro da Balança, porém, preocupava-o a solidão do cemitério. Tendo tomado conhecimento do enterro de uma velhinha naquela localidade, já saiu do túnel realmente mergulhado no medo do fantasma. E para surpresa e arrepio de cabelos o avistou caminhando, ao longe, à sua frente. Então, murmurou para si: “Meu Deus...! ali está o fantasma dela... e vai muito devagar... que vou fazer para ultrapassá-lo? muito mais difícil será retornar...!”Assim, tomou a decisão mais razoável: reuniu toda coragem que sobrara do túnel e apertou o passo para ultrapassar o fantasma e seguir seu caminho em paz. Quase correndo, aproximou-se dele, quando estavam ambos em frente ao cemitério. Apressou mais o passo e de um salto o ultrapassou pela esquerda, pois à direita estava o cemitério. O medo era tanto que ele soltou um forte grito que lhe estava preso à garganta: “Ô véeia do diaaabo!!!!!...”A velha também estava andando com muito medo, tomou um bruto susto com o gripo e o salto do tio Raimundo, e resmungou: huummk...! Apontando para o lado do cemitério, falou apavorada: “olha ai a esteira da velha!”. Tratava-se da esteira de palha de babaçu utilizada para transporte do féretro.Foi tudo muito rápido, tio Raimundo não quis conversa só suspirou com alívio quando alcançou as primeiras casas do povoado.

Moradores do povoado Barreiros Os Lunas; as famílias do Zé Chiquinho, do Citonio e do Joaquim Bertolino. Todos dedicados à lavoura. Os Lunas também possuíam engenho de cana e criavam gado.Filhos de tio Raimundo e Dona Benzinha (da familia Luna), em idade decrescente: Raimunda, Mariana, Manoel, Benedita, Irene, Antonio e Maria José. Residiam todos numa casa de taipa coberta de palha de palmeira babaçu, na encosta de uma pequena colina, ali na localidade dos Barreiros, próximo ao engenho dos Lunas. A casa era separada da estrada por um lindo terreiro de piçarra com uma grande cajazeira e o pé de pitomba cujas raízes foram expostas pelas enxurradas, no barranco da estrada.


Copo d’água e casamento de Mariana Lembro-me do tio Raimundo deitado em um banco de madeira na sala, sendo medicado por Mariana. Ela, ainda muito jovem, rezava para curar uma dor de dente do pai emborcando-lhe ao rosto um copo d’água. Não sei como conseguia aquilo, sem derramar água.Para o casamento da Mariana com Sinhô (meu irmão) aquele ambiente foi todo enfeitado de bandeirinhas multicoloridas lembrando festa junina e, à noite, resplandecia à luz de Petromax. Rolou muita comida, bebida, arrasta-pé e foguetório. Eu era ainda uma criança, lembro-me que me divertia com os foguetes e no barzinho, vendendo goma de mascar ao lado do seu Antonio Arcanjo. Seu Antonio era um afro descendente já avançado em idade, amigo da família, a quem meu irmão confiou aquele bar improvisado ao pé da cajazeira. É claro que não agüentei o repuxo da noite e logo adormeci ao lado das caixas de guaraná. Só acordei nas altas horas surpreendido por aguardente caindo no meu rosto. Naquelas alturas, já havia alguém fora do controle chamando urubu de meu louro.


Rio Mearim: caravanas no caminho da Trindade Em 1949/50, eu residia no local chamado Trindade, próximo ao rio Mearim, onde meus pais se fixaram em 1938 para trabalhar com engenho de cana, criação de gado e agricultura. Um menino alto e magricela, com onze para doze anos de idade, foi por esta época que conheci a casa do meu tio Raimundo e passei a ter afinidade com sua família.O acesso direto da Trindade aos Barreiros passava pela localidade Três Irmãos, entrava pelo caminho do Baú, deixava-o à direita e seguia por uma vereda de roça subindo encostas íngremes, serpenteando na mata, para alcançar as soltas de gado da família Luna, já nas planícies dos Barreiros.Por este caminho difícil quase toda sexta-feira circulavam pequenas caravanas de lavadeiras em direção à Trindade e ao rio Mearim. O engenho de meu pai instalado na Trindade, à margem do caminho do rio, tornou-se ponto estratégico de observação para os jovens que apreciavam a moçada das caravanas de lavadeiras de roupa.

Danimar Ribeiro, Engenhos de cana ...
Caldo de cana e matrimônio O engenho era local de concentração masculina. Alem dos membros da família, trabalhavam com meu pai diaristas aparentados e albergados de várias origens.Ao raiar do dia os bois já estavam girando ao redor do engenho e a gente cantarolando ao som da moenda e sentindo o cheiro da garapa doce brotando da cana prensada.Creio que as caravanas de lavadeiras de roupa de sexta-feira também contribuíram para a união matrimonial de muitos jovens, naquela época.Sinhô e Antonio foram os braços do meu pai. Desde muito cedo ao lado dele ambos contribuíram de modo significativo na construção do patrimônio familiar.O casamento de Antonio com sua parenta Matilde ocorreu em 1950 e o de Sinhô com Mariana, em 1952, se não me engano.

Bens dos que produzem O casamento de Antônio fez meu pai operar uma partilha de bens. Deu 30% dos bens a cada um deles, ficando com os 40% restantes para seu custeio familiar: ele, minha mãe, minha irmã Judite e Eu. Os demais filhos já eram casados e independentes.Casado meu irmão Sinhô, meu pai lhe passou a administração da propriedade, indo residir em Pedreiras. Assim, nos fixamos no bairro dos engenhos por volta de 1953, quando Judite e eu passamos a nos dedicar melhor aos estudos.Em seguida, a Trindade foi vendida para meu irmão Antonio e Sinhô deslocou-se para a cidade, associando-se a meu pai na usina de arroz.Antonio pagou a Trindade com a própria produção do engenho enviada seguidamente para a cidade. Ali, meu pai negociava os produtos do engenho e da nova empresa: a indústria de arroz em sociedade com Sinhô.


Fortaleza: novo horizonteEm 1954, meu irmão Cesário, casado com Terezinha, residia em Fortaleza e já trabalhava na Editora do Brasil. Foi quando passeando por Pedreiras, levou minha irmã Judite para a capital cearense. Ela ficou por lá cerca de um ano, voltando a Pedreiras em 1955. Nesta ocasião, alcei meu primeiro vôo fora de Pedreiras. Fui residir com Cesário na capital cearense. Mas, esta é outra história...


Independência: limite do conhecimento externo

Independência era, e continua sendo, um punhado de casinhas de taipa e palha de babaçu aglomeradas no entroncamento da estrada de Pedreiras com aquela que segue a Dom Pedro, cortando babaçuais pré-amazônicos.
Na verdade, em companhia de meu irmão Sinhô, já havia estado na pequena Independência, lugarejo situado a poucos quilômetros de Pedreiras, direção a Peritoró, acesso a São Luís, Teresina e demais centros desenvolvidos regionais. 
Nossa ida a Independência sob a coberta de lona do caminhão GMC do Mané Doido, numa chuvosa manhã, significava a solução de um sério problema ocorrido no engenho de nosso pai, ma Trindade.Sob a força impetuosa da junta de bois, Bem-feito e Cirigado, que movia a bolandeira, quebrou-se a moenda central do engenho e a Trindade inteira parou,  no meio daquela semana de verão.

Sem saber bem o que fazer, meu pai autorizou o desmonte do engenho para avaliar danos e projetar uma possível solução. 
A pesada moenda estava com uma fenda aberta em curvatura que se alongava por cerca de 20 a 30 cms., e teria que ser reparada com um tipo de solda especial, não existente em Pedreiras, naquele tempo. 
Creio que se tratava de um tipo de soldagem oxiacetilênica ou a arco elétrico com eletrodo revestido, não tenho certeza. Tenho certeza, no entanto, que descobrimos a existência de um desses processos de  soldagem na pequena Independência; e para lá nos deslocamos com a nossa pesada moenda, por volta de 1950.
 





Comentários

Mitha disse…
Oi tio!

Gostei muito dessa história, vc escreve muito bem. Estou acompanhando e quero ler logo sua chegada a capital cearense.
Abraços.
Mitha
Auzair Leite disse…
Tio Pedro, depois desse Blog pense em um livro. contando toda essa belíssima História.Enfeitadas pelas maravilhosas piadas. Saiba tio... É emocionante lhe ver relembrar toda essa História. Que memória tio...A estoria de cada casamento, cada chagad sua qdo estudava fora, a chegada do padrinho Cesário em Pedreiras. Lembro - me com emeoção. Os festejos... São Benedito corpos cristo, e juninos .. Poxa.. tio que saudades! viu?
Pedro Leite disse…
Auzair, este blog está ficando rico pela participação dos leitores.
Vejo que as mensagens, além de enriquecedoras, servem de estímulo a continuar aumentando o conteudo. Acontece que não estou dando conta de levar os dois blogs de uma vez. Tenho muita matéria só iniciada para postagem no blog do ambiente. Falta tempo para terminar. Aliás, matéria para o livro já venho preparando há algum tempo. Agora, o blog está servindo de local de concentração da matéria que poderá ser convertida em livro, futuramente.
Com certeza os leitores dos blogs são meu estímulo para continuar escrevendo.
Abr. O TIO.
Fatima Cruz disse…
Feliz aniversário,atrazado,meu padrinho!!!!
Me desculpe,pois tanto tempo sem comunicação,que não sei o dia exato,somente o mes,que é maio. Desejo muita saúde e muita paz,e possa dar continuidade,a esse trabalho lindo,que é a defeza do nosso planeta,e a retrospectiva tb está incrivel!!! Parabens!!!
Pedro Leite disse…
Obrigado, Fátima, pela lembraça do meu aniversário. Já fiz tantos que já não importa o dia nem o mês; o que importa mesmo é que a gente nasce, cresce pedindo a Deus que nos permita ficar com os cabelos brancos, que a idade não os faça cair e que, tambem, ela não nos deixe entristecidos. O 26 de abril de 1938 não deve ter sido um dia muito alegre naquela casa do Anjo da Guarda. Minha chegada antecipada e, por cima, ainda acompanhado, deve ter causado algum transtormo. Essa é uma bela história do Pedro Cosmo e do Pedro Damião. Com carinho e
Abr. do Tio.

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